Pânico na caixa d'água (Geraldo)

Quando das Bodas de Ouro de João Basilio e Alice Maria tivemos a agradável surpresa de conhecermos pequenas histórias da infância de seus filhos. Agora abrimos este novo espaço para novas historietas como aquelas. Estimulamos os irmãos a contribuírem, como já fez o Geraldo.
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Gilberto SMelo
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Pânico na caixa d'água (Geraldo)

Mensagem por Gilberto SMelo »

Éramos o infinito e eu. Não. Éramos eu e o nada. Corrigindo: era só o nada ! Eu? Era !!!

Numa de nossas aventuras para lavar a caixa d´água, os irmãos quase todos subimos. Era uma farra só, com água sanitária, escovas, resto de água que ia escoando enquanto nos divertíamos.

A subida era fácil, bastava olhar para o céu e pensar que ele era infinito. Não havia nada como um parapeito em cima da caixa, mas eu não temia. Assim que a gente acabava de subir, encontrava uma tampa de concreto que, aberta, dava acesso a uma escada interna à expedição pelo “jardim aquático suspenso por colunas” ...

Não sei quais de nós estávamos participando desse evento, nem quero lembrar, pra não pedir satisfações agora, depois de tanto tempo, mas o fato é que, de repente, me vi sozinho. Todos os “companheiros” de expedição haviam descido enquanto eu estava lá, dentro da caixa d´água, brincando, empenhado em terminar o mais tarde possível a nossa missão.

Quando olhei para os lados, eram só paredes, lajes inferior e superior, um pouco de água misturada com os produtos utilizados na limpeza e o M E D O !!!

Trêmulo, nem sei que oração veio à minha cabeça, mas rezei. Não adiantou. Chorei para ver que resultado dava. Nenhum. Repousei a bunda naquela água esquisita. Comecei a pensar nas colunas que sustentavam a caixa. E se caíssem? Entulho por baixo e por cima de mim, pobre criança-adolescente, soterrada em escombros... Pavor !

Num ímpeto de coragem, olhei para a escada que me levaria à laje superior da caixa. Olhei fixamente. Estufei o peito e acho que pensei: “Eu sou homem, caramba!”. As pernas bambearam. Baixei de novo a bunda n´água, rezei, chorei...

As paredes pareciam de vidro. Conseguia ver, dali, a Igreja da Pompéia. Ao mesmo tempo via a Igreja caindo e eu ficando lá em cima, e a Igreja lá em cima e eu... caindo !!!

Comecei a ouvir risinhos de escárnio. Pensei: será que já FUI e nem percebi? Os anjos riem?

Outro ímpeto de coragem. Galguei os degraus que levariam ao alto da caixa d´água. Meio corpo dentro, meio corpo fora dela. Olhei para a direita e vi que a Igreja estava de pé. Onde eu estaria, então? Olhei para baixo. Uma “cambada” de irmãos lá, rindo satisfeitos pelo medo que eu não conseguia esconder. Divisei a superfície do chão, finito, o fim...

Deitei-me no chão das alturas. Quando em quando enfiava o rosto na entrada da caixa, para não ver tão assustadora visão da altura. Os ouvidos, coitados, não podiam evitar os risos dos “algozes”, lá de baixo, os queridos irmãozinhos se contorcendo de rir.

Não havia outra solução: comecei a gritar por socorro, estava rodeado por terror, qual fosse o lado que olhasse.

Demorou uma eternidade, mas papai chegou e, vendo aquela algazarra gritou: - O quê que está acontecendo aqui?

Bastou vê-lo. A confiança se instalou em mim. Senti que não estava sozinho. Pedi que ele ficasse ao pé da escada, mirei com força o degrau de cima, o primeiro que eu deveria pisar, deitei-me de barriga para baixo – para não ver nada – e fui descendo vagarosamente, até chegar ao chão firme, sem ultrapassá-lo, como cheguei a imaginar.

Depois do susto, não me preocupei mais com quem me “ajudou “ a viver essa experiência. Apenas procurei focar nos meus pensamentos ainda quase infantis na seguinte afirmação:

Sou o infinito em Deus. Não. Sou eu e o tudo. Corrigindo: Sou só o nada que se modificou para melhor ! Eu? Sou !!!

Quanto a quem armou essa “brincadeirinha”, nem me lembro. Desde a época eu rio ao pensar que se a situação fosse inversa, como qualquer um deles eu teria me divertido, sem saber que a situação pudesse ter sido tão enriquecedora.

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