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Textos de Guilherme Melo (por volta de 2001, aos quinze anos)

Enviado: Sáb 07 Nov 2020 4:44 pm
por Gilberto SMelo
Colando o velcro (não se assuste)
Como se sabe, as pessoas nem sempre são tão aplicadas e certinhas como pensamos, ou, às vezes, as que pensamos que são nem são tanto assim. Por exemplo: Rá (esse é um pseudônimo para não expor tal pessoa [ou seria melhor usar “quel”?]) tira notas altíssimas na escola (cerca de 29 a 35), é muito bem aplicada e consegue carona de professores (agora diz, você consegue carona do seu professor?). Em meio a tantas qualidades, Rá, aliás, quel, tem seus defeitos. Numerando-os: 1- não consegue atravessar ruas, 2- não sabe amarrar cadarços, 3- dificuldades tomadas por não freqüentar o 3º período. Tais defeitos nos faz refletir e chegar a certas conclusões, numerando-as: 1- Rá, aliás, quel, não é independente, 2- torna-se difícil para Rá, aliás, quel, embalar presentes, principalmente se a papelaria não for no seu quarteirão. Solução enumerada: 1- comprar um tênis de velcro para Rá, aliás, quel.

Sonhei que voava
Não pense. Voe.
Eu sei voar, e é muito fácil. Basta abrir os braços, abaixá-los levemente, inclinar as mãos em diagonal ao chão e pronto. Serenamente observe a agitação das buzinas dos carros e dela se desligue, tire aquele gatinho presa na árvore e coloque-o no telhado, observe as roupas balançando ao vento nos varais dos quintais, se assente na ponta de um edifício e balance as pernas. É estranho descobrir que é só querer que se voa. Só querer, mais nada. Se pensar algumas dúvidas não dá.
Acordei, mas continuei voando. Mesmo de olhos abertos, mesmo de pés no chão dá pra voar.

Preso
Fechou a mão e cuidadosamente a abriu atento num vidro bem límpido (próprio para exposição)... Observou com cuidado para ver se não a tinha machucado. O quê?! A mosca. Afinal uma conquista para ele muito valiosa, pois, quem conseguiria pegar uma mosca com as mãos? Opa. Peraí! Quando pôs próximo ao vidro com cheiro de vidrex os seus viram que não era uma mosca e sim uma pedrinha alada. Estava arruinado. Como é que mostraria para seus amigos na escola aquela sua mais nova novidade..? Já era! Abriu o vidro e deixou a pedrinha inútil voar.

Ocupação
Subiu e desceu as escadas do primeiro ao décimo terceiro andar cinco vezes. Foi ao quarto tirou tudo que lá tinha e colocou na sala. O mesmo fez com a cozinha e com a dispensa. Pegou um fósforo, o acendeu e jogou sobre o bolo, mas a chama se extinguiu. Observou aquela bagunça e começou a arrumar tudo, coisa por coisa. Finalmente havia encontrado um meio de não ligar a televisão no domingo.

Sete sete sete
O sétimo copo quebrado. Amanda verifica se tem mais alguma xícara no armário e acidentalmente quebra a sétima assadeira. Irritada, pega o maior pedaço e lança fora. Acerta um espelho. Sete vezes sete azar? Não. Amanda se lembra de que a dor absoluta não tem medida e sorri.

A jabuticaba do vizinho
De vez em quando estico as penas e saio do meu apartamento. Vou para a casa da minha sogra (ao lado do prédio). Lá encontro verde, o que não vejo no meu apartamento. Um quintal amplo me permite olhar as nuvens, mesmo que maltratadas pelos tais automóveis. Jabuticabeira. Antiga. Outubro – é lógico, primavera. Bolas pretas redondas. Massa branca suculenta e doce (não é hora de falar dos caroços). É do vizinho, mas achado não é roubado, ou melhor, essa desculpa não serve porque todo ladrão acha mesmo que rouba, senão não levaria. Tem uma lei que diz que se passou pro meu lote é meu. Pelo menos eu acho que sim.
Observei desde setembro a primeira jabuticaba a se empretecer. Era gigante. Todo dia a via e esperava o dia em que a apanharia.
Imaginei-me numa daquelas piscinas de bolinhas de crianças, só que com jabuticabas... Ah... Talvez porque não freqüentei esses lugares quando pequeno.
Chegava o dia. A hora, o momento. Levantei-me na ponta do pé, estiquei devagar o braço, soltei um sorriso e... Ah não! Não é possível! Um braço no outro lado do muro, no exato momento, tomou de mim “aquela”. Terrível coincidência me frustrou e voltei para o apartamento sem verde, senão pelo vaso de violetas e uma gérbera que pende curiosa para o lado de fora da janela.

Sun Tzu. A arte da guerra
Como de costume, para despertar, Sueli se levanta em busca de cafeína. No seu escritório não tinha máquina de café. No décimo terceiro tinha. Locked era o que apitava a máquina expondo no visor. Lembrando-se das suas aulas de inglês, recordou que significava trancado. No mesmo instante entra Dona Maria e Sueli insubmissa à máquina a pergunta: - Dona Maria, quem trancou a máquina de café? Respondeu timidamente Dona Maria: - Foi a Dona Marta, ela ficou com a chave...
Marta era a secretária do departamento de vendas e era apelidada de buldogue entre outros eu não convém aqui citar, pois esta é uma crônica de tipo família.
Talvez valesse o risco encarar. Sueli foi até à secretária. Tentando não ser muito direta, disse: - Será que esqueceram de destrancar a máquina de café? – Esqueceram não, fui eu que tranquei, pois tava virando festa e quem pagava as contas era o departamento! Respondeu com astúcia Dona Marta. – Só um cafezinho... Retornou Sueli. – Não e não. Disse Dona Marta. – Ok. Disse Sueli.
Nem precisou ir até a sua sala, a secretária geral e corpo diplomático passava pelo corredor quando Sueli voltava triste. Sueli disse: - Não é possível mais tomar café aqui. A máquina está trancada e quem trancou foi a buldogue, ou melhor, Dona Marta. - Ah não! Ooo queeeeeê?! Disse Esther e, se retirando, convocou assembléia extra-ordinária geral (exceto uma, Dona Marta) e o consenso foi de que era um crime à humanidade impedir que outras pessoas tomassem café. Afinal, trabalhar sem café? De jeito nenhum. Outro consenso foi de que seria inevitável uma retaliação. Foram formadas as alianças e a guerra estava aprontada.

A pureza do amor
Você consegue imaginar algum motivo para a sua relação com os outros? Não né. Pois eu acho que descobri e tenho certeza de que é o amor. Amar é o melhor que você pode fazer aos seus conhecidos. Dê amor a eles e receberá amor ainda que não pareça. Disponha-se por total ao amor, tenha amor em todo o seu corpo em todo o seu coração e nem saberá explicar aos outros o mesmo. Mesmo quando ainda estiver liquidando com os pensamentos ruins já sentirá a beleza do amor. Não tenha preconceito com o amor, pois, não se pode saber o que o amor é sem buscar amar. O amor conjugal, familiar e fraternal, todos são lindos e é importante pensar neles antes de qualquer obrigação, pois as oportunidades boas e ruins, ótimas e péssimas passam, porém, o amor não cessa de dar retorno.