ÀS VEZES DISTANCIAR É O MELHOR QUE VOCÊ PODE FAZER
Eu compreendo se você estiver ensandecido de raiva ou imerso até o nariz numa vontade irreprimível de voar na jugular de alguém: já tive ímpetos parecidos. Várias vezes, aliás. Mas, antes de explodir feito terrorista árabe, dê uns passos pra trás e tente, com todas as suas forças, se colocar fora da situação por 2 segundos que seja. Analise a cena com distanciamento, como se você não fosse protagonista (ou não estivesse revoltado por ser coadjuvante). Posso dizer com segurança: momentos de recuo, na guerra ou na vida, são primordiais em qualquer boa estratégia. Ou simplesmente se fazem presentes, sem nenhuma educação, passando por cima de nossa vontade, mesmo assim, continuam sendo estarrecedoramente úteis: nos forçam a ver a situação sob outro prisma, com menos bile e, por isso mesmo, mais fria e racionalmente.
Depois de um período no ponto morto, a retomada do movimento nunca é insípida: ou ela nos faz enxergar a placa de "rua sem saída" que teimávamos em não ver ou, feito polimento em prata, devolve o brilho ao que o tempo havia enegrecido. Talvez por isso alguns casais só se entendam realmente depois de um período separados: o lado frio na cama, a falta da recriminação pela maionese mal tampada na geladeira, a sensação estranha de chegar em casa e a luz da sala não estar acesa, o ritual matutino, tudo toma outra proporção. O que era cotidiano agora é saudade. Ficar um tempo sem quem se ama pode provocar verdadeiros milagres na dinâmica de um casal (e na solo também). Por isso, nunca mais critiquei esse papo de "dar um tempo": é incrível como, com o passar dos anos, passamos a usar cada vez menos a frase "que coisa ridícula"...
Depois de chorar afluentes e mais afluentes do Amazonas por encarar tudo na base do 8 ou 80, fiz um pacto comigo mesma: toda vez que algo (ou, mais usualmente, alguém) está prestes a me enlouquecer, lembro-me do ditado chinês "O lugar mais escuro é sempre debaixo da lâmpada" e me retiro de mim por nanossegundos (o máximo que consigo). Vejo a cena de cima, como se fosse uma alma desencarnada observando os coitados presos ao corpo. E, na maioria das vezes, não é preciso mais do que um piscar de olhos para que eu perceba a estupidez da situação e me pergunte: "Isso vale mesmo uma úlcera?" A verdade é que nada vale. Nada é importante o bastante para nos tirar do sério. Relativize, torne sua existência e seu coração mais leves e trate de ser feliz, porque ninguém fará isso por você.
A "técnica" mais eficiente para lidar com situações adversas, eu aprendi com um senhor que caminhava ao meu lado numa exposição do Monet. Enquanto eu passava, inquieta, de tela pra tela, ele se detinha longos minutos em cada uma, recuava alguns passos, mudava de ângulo, observava as cores, os traços. Calmamente. Pessoas passavam por ele, irritadas, comentando o que tanto o velhinho via naquele monte de borrões impressionistas. Enquanto os outros perdiam tempo criticando-o e reclamando da temperatura do ar-condicionado, aquele senhor vivia sensações pessoais e intransferíveis, compartilhadas apenas pelos tons de Monet. Ele via o mesmo que todos, mas enxergava algo único.
O negócio é o seguinte: o importante não é só para onde você olha, mas como olha. Porque ser feliz, no final das contas, não é questão de sorte ou azar. É questão de perspectiva.
Parada obrigatória (Martha Medeiros)
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