Trecho do livro "Medo da Vida" de Alexander Lowen, pág. 81/83)
Ser como autenticidade
São poucas as pessoas em nossa cultura que têm a coragem de ser elas mesmas. A maioria adota papéis, põe máscaras, veste disfarces. Não acreditam que seu self genuíno seja aceitável. Não foi aceito pelos pais. “Não faça essa cara triste”, diz a mãe. “Ninguém amará você. Ponha um sorriso nessa cara.”. E assim a criança coloca uma máscara sorridente para ser amada. ‘‘Ombros para trás, peito para a frente’’, diz o pai para seu filho pequeno, que então passa a adotar essa fachada de masculinidade. Os papéis e jogos, em geral, desenvolvem-se com mais sutileza em resposta a exigências implícitas e a pressões por parte dos pais. As máscaras, disfarces e papéis tornam-se estruturadas no corpo porque a criança acredita que essa impostura conquistará a aprovação e o amor dos pais. Nossos corpos são moldados por forças sociais, dentro da família, que modelam e determinam nosso destino. . . que é o de termos que tentar agradar para receber aprovação e amor.
Se não deu certo antes, não funciona agora. Amor não pode ser ganho ou recebido em troca de algo, pois é uma expressão espontânea de afeição e de calor humano, em resposta ao ser de outra pessoa. E “eu o amo”, não “eu amo o que você está fazendo”. Amor implica uma aceitação que foi negada à criança. Depois de desistirmos de nossa verdadeira natureza para desempenhar um papel, estamos destinados a ser rejeitados porque já rejeitamos a nós mesmos. Não obstante, nos esforçaremos para tornar o papel mais bem sucedido, esperando superar nosso destino, mas nos encontraremos ainda mais enredados nele. Ficamos prisioneiros de um círculo vicioso que se fecha cada vez mais, estreitando nossa vida e nosso ser.
Porque não desistimos do papel, não interrompemos o jogo, deixando cair o disfarce, arrancamos as máscaras? A resposta é que não somos conscientes de que nossa aparência e nosso comportamento não são inteiramente genuínos. A máscara ou disfarce tornou-se parte de nosso ser. O papel passou a ser uma segunda natureza para nós, e nos esquecemos de como era nossa natureza original. Tornamo-nos tão identificados com o papel e com o jogo que não podemos conceber a possibilidade de sermos de outra maneira.
A pessoa média procura a terapia devido a algum distúrbio em sua personalidade ou comportamento, tal como depressão, ansiedade, frustração. O desejo que exprime é o de livrar-se desse sintoma perturbador. A pessoa não deseja mudar de modo radical, ou seja, caracterologicamente. É provável que não vislumbre a necessidade de uma tal mudança. Ela sente que não é bem sucedida, que seu caráter não está funcionando e quer aprender como fazê-lo dar certo. A vasta gama de livros de psicologia disponível no mercado, que dizem ou ensinam “como fazer” são respostas a esse desejo. Dão conselhos sobre como conquistar amigos, influenciar pessoas, ser mais auto-assertivo, ou mais responsivo sexualmente, etc. Numa dimensão superficial, esses livros constituem uma certa medida de ajuda para as pessoas. Mas não abordam o problema real, aquele que impede a pessoa de vivenciar uma sensação de plenitude, de paz, de alegria. E esse problema é o medo de ser ela mesma, o medo de que sua verdadeira natureza (self) seja impura, inadequada, inaceitável. Esse medo força-a a ocultar seus sentimentos e sensações genuínos, mascarar sua expressão, aceitar o papel que lhe foi exigido. A maioria das pessoas adota a idéia de que a vida é um jogo e que para ser bem sucedido é preciso aprender a jogar. Imbuída dessa atitude, a pessoa está preparada para modificar o papel que desempenha. Só não está preparada para desistir de desempenhar papéis e ser completamente si mesma. Isso parece ameaçador demais, por razões que examinaremos no próximo capítulo. Contudo, se a pessoa não confrontar seu caráter, o destino por ele determinado não poderá ser evitado.
Portanto, o primeiro passo em terapia é descobrir o papel que a pessoa desempenha na vida. Ou, em outras palavras, que a terapia começa com uma análise do caráter da pessoa. Enquanto isso não for feito, não podemos ultrapassar a barreira dos disfarces para chegar à pessoa real. Esse, porém, é apenas o primeiro passo. É preciso que o indivíduo compreenda por que o papel foi adotado no passado e qual a função a que serve, no presente. Deve ser também esclarecida a relação entre o papel e a sexualidade, e entre o papel e a situação edipiana. Uma das funções do papel ou da máscara é ocultar da pessoa mesma aqueles aspectos de sua personalidade que são por demais dolorosos ou ameaçadores para serem vistos e confrontados. A pessoa que usa uma máscara sorridente não quer sentir a tristeza, oculta aos olhos. O machão não quer entrar em sintonia com seu medo. Evidentemente, esses aspectos da própria personalidade não desaparecem simplesmente porque estão fora do alcance da consciência. Enterrados nas profundezas da personalidade, influenciam nosso comportamento e ditam nosso destino.
Um outro aspecto desse problema é o custo em termos de energia despendida no desempenho de papéis ou na manutenção de uma imagem. Tanta energia é exigida para sustentar um papel ou um disfarce, que pouco resta para o prazer e para a criatividade. Imagine um ator que desempenhasse ininterruptamente um papel, tanto no palco como fora dele, e assim poderia se ter uma idéia da energia gasta para fazer isso. Ser não custa esforço porque é algo espontâneo e natural. É por isso que as crianças conseguem ser tão criativas. Contudo a maioria das pessoas não sente o esforço ou a carga energética do papel que desempenham. O que efetivamente sentem é a fadiga crônica, a irritabilidade, a frustração. Quando alguém desempenha um papel o resultado final sempre é a depressão.
Uma vez que o papel está estruturado no corpo, é possível saber-se o papel que a pessoa esta desempenhando, ou a imagem quer está tentando projetar, a partir da expressão de seu corpo.
Ser como autenticidade (Alexander Lowen)
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