Antepassados (Carlos Drumond de Andrade, Paixão Medida)
Enviado: Qua 23 Nov 2005 1:59 pm
Antepassados
Só te conheço de retrato,
não te conheço de verdade
mas teu sangue bole em meu sangue
e sem saber te vivo em mim
e sem saber vou copiando
tuas imprevistas maneiras,
mais do que isto: teu fremente
modo de ser enclausurado
entre ferros de conveniência
ou aranhóis de burguesia,
Vou descobrindo o que me deste
sem saber que o davas, na líquida
transmissão de taras e dons
Vou te compreendendo, somente
de esmerilar em teu retrato
o que a pacatez de um retrato
ou o seu vago negativo
implícito e reticente,
filtra de um homem; sua face
oculta de si mesma; impulso
primitivo; paixão insone
e mais trevosas intenções
que jamais assumiram ato
nem mesmo sombra de palavra
mas ficaram dentro de ti
cozinhadas em lenha surda.
Acabei descobrindo tudo
que teus papéis não confessaram.
Nem a memória de família transmitiu
como fato histórico
e agora te conheço mais
do que a mim próprio me conheço
pois sou teu vaso e transcendência
teu duende mal encarnado.
Refaço os gestos que o retrato
não pôde ter, aqueles gestos
que ficaram em ti à espera
de tardia repetição,
e tão meus eles se tornaram,
Tão aderentes ao meu ser
que suponho tu os copiaste
de mim antes que eu os fizesse,
e furtando-me a iniciativa
meu ladrão, roubaste-me o espírito.
Só te conheço de retrato,
não te conheço de verdade
mas teu sangue bole em meu sangue
e sem saber te vivo em mim
e sem saber vou copiando
tuas imprevistas maneiras,
mais do que isto: teu fremente
modo de ser enclausurado
entre ferros de conveniência
ou aranhóis de burguesia,
Vou descobrindo o que me deste
sem saber que o davas, na líquida
transmissão de taras e dons
Vou te compreendendo, somente
de esmerilar em teu retrato
o que a pacatez de um retrato
ou o seu vago negativo
implícito e reticente,
filtra de um homem; sua face
oculta de si mesma; impulso
primitivo; paixão insone
e mais trevosas intenções
que jamais assumiram ato
nem mesmo sombra de palavra
mas ficaram dentro de ti
cozinhadas em lenha surda.
Acabei descobrindo tudo
que teus papéis não confessaram.
Nem a memória de família transmitiu
como fato histórico
e agora te conheço mais
do que a mim próprio me conheço
pois sou teu vaso e transcendência
teu duende mal encarnado.
Refaço os gestos que o retrato
não pôde ter, aqueles gestos
que ficaram em ti à espera
de tardia repetição,
e tão meus eles se tornaram,
Tão aderentes ao meu ser
que suponho tu os copiaste
de mim antes que eu os fizesse,
e furtando-me a iniciativa
meu ladrão, roubaste-me o espírito.