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Quando o "amor" não é amor (Donald Lazo)

Enviado: Qua 23 Nov 2005 2:11 pm
por Gilberto SMelo
Quando o "amor" não é amor

A maior obrigação de um pai para com seu filho é a de se tornar desnecessário para que o filho possa desenvolver suas próprias forças e se tornar responsável por si mesmo.
No meu último artigo eu defendia a idéia de que, às vezes, amar significa “deixar sofrer”. Esta lição foi gravada na minha memória de forma dramática uns dez anos atrás.
Era urna noite em que eu me encontrava assistindo a urna reunião de Neuróticos Anônimos (NA). Havia umas quinze pessoas reunidas na sala essa noite, quando entrou urna senhora de seus 60 anos de idade, empurrando uma cadeira de rodas na qual estava sentado um homem de aproximadamente 40 anos.
Quando chega uma pessoa nova a uma reunião de NA, é costume o coordenador da reunião convidar essa pessoa a se apresentar e explicar o que a levou a procurar os Neuróticos Anônimos. Esclarece-se à pessoa que ela não tem obrigação de falar, se não quiser. Vendo o homem na cadeira de rodas e presumindo que era ele que sofria de algum problema emocional, o coordenador lhe dirigiu a palavra, convidando a explicar o motivo de sua presença. Mas o homem não teve chance de responder, pois a senhora respondeu por ele.
“Eu trouxe meu filho aqui esta noite porque estamos vivendo um problema sério em casa e me ocorreu que vocês poderiam nos orientar. O problema é que parece que a gente não esta se entendendo mais. Eu vivo sozinha em casa com este meu filho e faço tudo por ele. E ele, ao invés de me agradecer, me critica e me xinga o dia todo. Passei a vida toda dedicando-me quase exclusivamente a ele e esse é o “obrigado” que ele me dá”.
Percebendo que a mulher era capaz de monopolizar o resto da reunião se lamentando do filho que não sabia apreciar o amor de sua mãe, o coordenador se dirigiu novamente ao homem, perguntando-lhe se queria explicar ao grupo porque ele se encontrava numa cadeira de rodas.
Novamente foi a mãe que respondeu. “Foi o seguinte: quando meu filho era ainda criança, com uns dois aninhos de idade, ele tinha um problema no quadril. Apareceu justamente quando ele estava começando a querer aprender a andar e o quadril era fraco. Dificultava seu equilíbrio e eu morria de medo. Levei-o ao médico e sabem o que aquele médico me disse? Disse-me que quando meu filho saísse dando seus passos desequilibrados pela sala e caísse, eu deveria deixar ele cair e se levantar sozinho. Disse-me que isso seria bom para ele, que só assim ele superaria seu problema no quadril e aprenderia a andar. Imaginem só! Alguma ouviram um conselho mais cruel? E isso da boca de um médico! Como podia ele pensar que eu, uma mãe que amava meu filho, seria capaz de deixá-lo cair vez após vez, com risco de se machucar, sem correr para socorrê-lo? Eu não!”
E enquanto essa mãe, que tanto “amava” seu filho falava, eu olhava para o objeto de seu “amor”, sentado ali na sua cadeira de rodas, incapaz de andar e, pelo jeito, até incapaz de falar por si mesmo. O “amor” dessa mãe havia tornado este homem de 40 anos de idade uma criatura quase totalmente dependente dela.
Quantos pais não cometem o mesmo erro! Esquecendo que talvez a maior obrigação que um pai tem perante seu filho é a de se tornar desnecessário - para que o filho possa desenvolver suas próprias forças e se tornar responsável por si mesmo - estes pais vivem “socorrendo” os filhos contra as conseqüências negativas de suas ações e erros. O resultado, inteiramente previsível, é sempre o mesmo. Primeiro, embora o filho tenha a vantagem de nunca ter que se esforçar muito, pois sempre tem quem resolva seus problemas por ele, ele sabe que se tornará totalmente dependente das pessoas que vem ajudando-o e odeia essa dependência. Com o tempo, passa a odiar as pessoas, o que obviamente cria um conflito sério quando essas pessoas são seus pais.
O outro resultado é que o filho dependente nunca aprende o que é ser responsável por si mesmo. Responsabiliza os outros se algo dá errado. Vive esperando que os outros o tirem de seus apertos. E quem não aprender a sentir esse senso de responsabilidade (responsabilidade é a capacidade de responder com habilidade, de maneira adequada a uma situação) corre o risco de tornar-se extremamente infeliz, desadaptado e revoltado graças ao “amor” dos que resolveram todos os seus problemas.


“Ser pai ( e mãe) é a arte de se tornar desnecessário”.

“Ai do filho que não tiver um pai para salvá-lo da mãe...”
Lacan