Histórias matemáticas
Enviado: Sex 22 Set 2006 12:37 pm
O conhecimento de matemática financeira é hoje indispensável ao cidadão, pois o mundo é cada vez mais vinculado ao domínio econômico, para não dizer dependente. Nunca se imaginaria, alguns anos atrás, que os pregões das bolsas de valores passariam a ser, como são hoje, virtuais, através da internet e que seria possível ter uma calculadora em um telefone móvel (celular). Em 1971, quando iniciei meu curso de Engenharia, ainda reinavam as réguas de cálculo (acredito que muita gente não sabe o que é isto), pois as calculadoras eletrônicas ainda eram difíceis de encontrar e caras. No meu primeiro ano do curso de Engenharia apenas dois colegas tinham calculadoras eletrônicas. Eu fiz Cálculo Numérico, a disciplina onde mais se faziam contas no curso, com a régua de cálculo, assim como quase todos os meus colegas.
Meus pais tem origem na zona rural e só puderam estudar até a 2ª série do ensino fundamental. Mesmo com instrução precária meu pai, que trabalhava na construção civil, tinha uma curiosidade enorme em saber fazer cálculo estrutural, ou seja, em calcular as colunas e vigas de edificações. Ele então vivia atrás dos engenheiros para que lhe ensinassem como fazer os cálculos de uma construção. Me lembro bem do meu pai falando de ferragem negativa, de n' (n linha) l' (l linha), etc. O que não sai também da minha memória é a régua de cálculo da marca Nestler que ele usava e das inúmeras contas manuscritas que ele fazia no papel que encontrasse pela frente, como carnês não utilizados e até papel de embrulhar pão. Eu ainda criança admirava meu pai pela sua capacidade de fazer contas manuscritas e não conseguia imaginar como é que ele conseguia fazer contas com a régua de cálculo, com tantos números e traços incompreensíveis.
Mas aos poucos passei a ter contato com o mundo financeiro. De vez em quando meu pai precisava pegar dinheiro emprestado com um vizinho e, lembro-me bem, a taxa de juros era de 4% ao mês, o equivalente a 60% ao ano, ao passo que a inflação dos anos de 1958 a 1961 foi, respectivamente, 23%, 43%, 32%, 44%.
Logo aos doze anos eu já comecei a frequentar com meu pai uma Conferência da Sociedade de São Vicente de Paula. Meu pai passou a ser o tesoureiro da Conferência e eu o ajudava a recolher o dinheiro das contribuições dos confrades e a pagar os gêneros alimentícios fornecidos às famílias carentes, depois passei a tomar conta de tudo. A partir dos doze anos eu trabalhei também no pequeno armazém construído para fornecer os gêneros alimentícios às famílias que eram chamadas de "socorridas" pelas Conferências. No início eu apenas ajudava, mas em menos de um ano passei a trabalhar sozinho, tanto carregando os sacos de arroz, feijão, etc. para descarregar nos "baús", como também eu fazia as compras e controlava a parte financeira do armazém chamado de "despensa".
O socorrido chegava com um vale de Cr$4.000,00 (o equivalente a uns doze reais em 2006), dizendo o que queria, cabendo a mim fazer as contas de que lista caberia naquele "vale". No mais das vezes o que eles queriam levar naturalmente superava o valor do vale. Então começava-se a debater no que tirar para chegar a conta exatamente ao valor do vale. Esta "ginástica" em ajustar os gêneros alimentícios, de limpeza e do querosene (que era usado para lamparinas) ao valor do vale foi o meu primeiro desafio, que logo superei. Com uns ajustes aqui e ali na lista, às vezes sobrava um troco muito pequeno. Como não havia a possibilidade pagamento em dinheiro e muito menos o troco em dinheiro, eu calculava uns "graminhas" a mais no arroz, no feijão ou no açúcar, por exemplo. As contas eram todas à mão, não havia calculadoras nesta época, a não ser aquelas máquinas Facit de manivela, que hoje são peças de museu, mas que mesmo assim o Conselho Particular de Nossa Sra. da Abadia não podia comprar. Semanalmente eu juntava os vales para trocá-los pelo dinheiro equivalente com as Conferências. O dinheiro arrecadado era utilizado para comprar mais gêneros alimentícios e de limpeza e abastecer a Despensa. Todo o controle era feito por mim em cadernos.
Também aos meus doze anos meus pais resolveram colocar uma "quitanda", uma pequena barraca de madeira construída por meu pai na parte da frente de nossa casa para a venda de verduras, legumes, frutas... e rapadura. Não dá para esquecer a idéia que fazia o maior sucesso: Coco cortado em tiras e um pedaço de rapadura. E, naturalmente, eu é que "administrava" o novo negócio da família. E contabilizava os lucros, que, me lembro, chegavam a mais de um salário mínimo por mês, o que ajudava bem na criação de tantos filhos, oito filhos nesta época. A quitanda foi fechada em 1965, mas somente devido a um acidente, pois à época era um bom negócio, supria a família de gêneros alimentícios e ainda dava lucro. Aos dezesseis anos já comecei a me submeter a concursos para bancos, na busca de empregos que me dessem um melhor retorno e tive sucesso, passei em três deles e sempre bem colocado, pois eu sempre estudava matemática através da solução exaustiva de exercícios, além do esforço para entender a lógica e a dedução das fórmulas.
E meu pai continuou sendo a minha referência para o gosto com as contas. Ele trabalhou muitas vezes fora de Belo Horizonte, às vezes ficava muito tempo distante, mas a referência dos cálculos matemáticos era dele. O início das aventuras matemáticas de meu pai era calcular apenas uma viga ou uma coluna, mas no final de sua carreira ele chegou a calcular uma pequena construção de dois andares em Belo Horizonte. Conhecemos através dele vários engenheiros, o que certamente influenciou os filhos: Foram quatro filhos formados em Engenharia e dois técnicos, ironicamente nenhum deles na área de Engenharia Civil. Mas todos certamente se inspiraram em nosso pai.
Meus pais tem origem na zona rural e só puderam estudar até a 2ª série do ensino fundamental. Mesmo com instrução precária meu pai, que trabalhava na construção civil, tinha uma curiosidade enorme em saber fazer cálculo estrutural, ou seja, em calcular as colunas e vigas de edificações. Ele então vivia atrás dos engenheiros para que lhe ensinassem como fazer os cálculos de uma construção. Me lembro bem do meu pai falando de ferragem negativa, de n' (n linha) l' (l linha), etc. O que não sai também da minha memória é a régua de cálculo da marca Nestler que ele usava e das inúmeras contas manuscritas que ele fazia no papel que encontrasse pela frente, como carnês não utilizados e até papel de embrulhar pão. Eu ainda criança admirava meu pai pela sua capacidade de fazer contas manuscritas e não conseguia imaginar como é que ele conseguia fazer contas com a régua de cálculo, com tantos números e traços incompreensíveis.
Mas aos poucos passei a ter contato com o mundo financeiro. De vez em quando meu pai precisava pegar dinheiro emprestado com um vizinho e, lembro-me bem, a taxa de juros era de 4% ao mês, o equivalente a 60% ao ano, ao passo que a inflação dos anos de 1958 a 1961 foi, respectivamente, 23%, 43%, 32%, 44%.
Logo aos doze anos eu já comecei a frequentar com meu pai uma Conferência da Sociedade de São Vicente de Paula. Meu pai passou a ser o tesoureiro da Conferência e eu o ajudava a recolher o dinheiro das contribuições dos confrades e a pagar os gêneros alimentícios fornecidos às famílias carentes, depois passei a tomar conta de tudo. A partir dos doze anos eu trabalhei também no pequeno armazém construído para fornecer os gêneros alimentícios às famílias que eram chamadas de "socorridas" pelas Conferências. No início eu apenas ajudava, mas em menos de um ano passei a trabalhar sozinho, tanto carregando os sacos de arroz, feijão, etc. para descarregar nos "baús", como também eu fazia as compras e controlava a parte financeira do armazém chamado de "despensa".
O socorrido chegava com um vale de Cr$4.000,00 (o equivalente a uns doze reais em 2006), dizendo o que queria, cabendo a mim fazer as contas de que lista caberia naquele "vale". No mais das vezes o que eles queriam levar naturalmente superava o valor do vale. Então começava-se a debater no que tirar para chegar a conta exatamente ao valor do vale. Esta "ginástica" em ajustar os gêneros alimentícios, de limpeza e do querosene (que era usado para lamparinas) ao valor do vale foi o meu primeiro desafio, que logo superei. Com uns ajustes aqui e ali na lista, às vezes sobrava um troco muito pequeno. Como não havia a possibilidade pagamento em dinheiro e muito menos o troco em dinheiro, eu calculava uns "graminhas" a mais no arroz, no feijão ou no açúcar, por exemplo. As contas eram todas à mão, não havia calculadoras nesta época, a não ser aquelas máquinas Facit de manivela, que hoje são peças de museu, mas que mesmo assim o Conselho Particular de Nossa Sra. da Abadia não podia comprar. Semanalmente eu juntava os vales para trocá-los pelo dinheiro equivalente com as Conferências. O dinheiro arrecadado era utilizado para comprar mais gêneros alimentícios e de limpeza e abastecer a Despensa. Todo o controle era feito por mim em cadernos.
Também aos meus doze anos meus pais resolveram colocar uma "quitanda", uma pequena barraca de madeira construída por meu pai na parte da frente de nossa casa para a venda de verduras, legumes, frutas... e rapadura. Não dá para esquecer a idéia que fazia o maior sucesso: Coco cortado em tiras e um pedaço de rapadura. E, naturalmente, eu é que "administrava" o novo negócio da família. E contabilizava os lucros, que, me lembro, chegavam a mais de um salário mínimo por mês, o que ajudava bem na criação de tantos filhos, oito filhos nesta época. A quitanda foi fechada em 1965, mas somente devido a um acidente, pois à época era um bom negócio, supria a família de gêneros alimentícios e ainda dava lucro. Aos dezesseis anos já comecei a me submeter a concursos para bancos, na busca de empregos que me dessem um melhor retorno e tive sucesso, passei em três deles e sempre bem colocado, pois eu sempre estudava matemática através da solução exaustiva de exercícios, além do esforço para entender a lógica e a dedução das fórmulas.
E meu pai continuou sendo a minha referência para o gosto com as contas. Ele trabalhou muitas vezes fora de Belo Horizonte, às vezes ficava muito tempo distante, mas a referência dos cálculos matemáticos era dele. O início das aventuras matemáticas de meu pai era calcular apenas uma viga ou uma coluna, mas no final de sua carreira ele chegou a calcular uma pequena construção de dois andares em Belo Horizonte. Conhecemos através dele vários engenheiros, o que certamente influenciou os filhos: Foram quatro filhos formados em Engenharia e dois técnicos, ironicamente nenhum deles na área de Engenharia Civil. Mas todos certamente se inspiraram em nosso pai.